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Arquivo da categoria: Filosofando

E o velho RPG?

“O videogame matou o bom RPG de mesa!” 

Nós, jogadores mais jovens, associamos essa sentença imediatamente aos velhos e gagás desatualizados puristas, dos tempos do AD&D ou da Primeira Edição. Descartamos quase sempre como bobagem. “Eles só não entendem a evolução das coisas! Como o videogame poderia estragar o RPG?”

Mas será que eles não têm alguma razão? Para mim, pessoalmente, RPG nunca foi uma questão de “entrar > encontro aleatório > matar bixos > pilhar tesouros > dividir XP”. Mas existe tanta (TANTA) gente retardada que encara nosso hobby dessa forma! Dessa forma horrorosa, eu me atreveria a dizer.

“Eu ando até a porta, desativo as armadilhas, arrombo a fechadura, faço um ataque furtivo e jogo todos os itens do inimigo na minha mochila de carga infinita.” Certo cara, muito bom pra um RPG eletrônico de comandos simples. Aposto que você também colocou seu mouse sobre aquele baú, viu uma engrenagem e falou “eu pego o que tiver ali dentro.”

Mas cade o romantismo literário da coisa? Onde estão os passos cuidadosos sobre a pedra úmida do corredor estreito? Onde está o suor escorrendo pela testa e o baixo tintilar das ferramentas de ladrão? Onde está o calor do sangue inimigo inundando suas mãos enquanto ele se debate desesperado sob sua lâmina estreita? Onde está o asco e o fedor sentidos ao vasculhar entre as roupas de um orc sujo e suado? Os gritos de guerra? As manias e hábitos peculiares dos personagens? Não esse festival de bizarrices que os jogadores inventam pra fazer seus personagens parecerem “únicos”, mas que logo esquecem ou só usam “pra zoar”. Estou falando de coisas simples e críveis, de dar “alma” a um personagem, não transformá-lo em um pavão. Por Odin, a quantidade de jogadores que sequer se referem aos personagens dos colegas por seus nomes! “Eu vou falar pro elfo arqueiro do Roberval atirá nos orc tudo!” 

Pragmatismo, simplismo e visão puramente matemática em uma atividade criativa?! Por que diabos eu iria querer isso?! E a pergunta que não pode faltar: será que o videogame não tem mesmo alguma culpa nisso, com sua estrutura mais direta e determinada? Será que os atuais jogadores de RPG não consomem mais jogos de PlayStation do que livros?

Ou talvez isso seja apenas uma visão tendenciosa minha. Verdade seja dita, eu enjoo de qualquer jogo em menos de um fim de semana e prefiro um livro mediano ao melhor dos videogames. Talvez eu esteja usando algo que já não gosto como bode expiatório pra um problema que me aflige. O fato é: faz muito tempo (acho que dá pra usar a palavra anos) que não jogo uma sessão completa que eu possa dizer: “Isso foi RPG de verdade, dos bons! RPG moleque, RPG de raíz.” Algumas cenas memoráveis, alguns jogadores imaginativos… Mas uma sessão inteira?! Uma mesa inteira?!

Pra mim – talvez por ter essa ambição maluca sensacional de me tornar um escritor profissional – RPG sempre foi mais como um exercício conjunto de criação literária do que em um point-and-click de gráficos imaginários. Por isso sinto falta de todas aquelas ações mais… imaginativas e detalhadas que citei mais acima. Até do orc suado. (ui!)

 
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Publicado por em 1 de novembro de 2012 em Filosofando, RPG

 

Uma Era de Magia – O fim de Harry Potter?

Começo aqui dizendo que isto não é uma crítica cinematográfica ou literária. Uma crítica normalmente exige certa imparcialidade e afastamento, a fim de tecer uma análise objetiva da obra em questão, que se aplique a qualquer espectador. É claro, isso é impossível. Mas um crítico ao menos tenta ser o mais imparcial que conseguir. Eu não consigo ser imparcial quando se trata de Harry Potter. Na verdade, eu nem quero tentar. Harry Potter fez parte da minha vida desde meus tenros oito anos de idade, quando um livro de 263 páginas ainda me parecia muito grande. Logo, nesse momento eu desço de meu falso patamar de crítico, de intelectual, para fazer um simples relato, como um simples fã.

Primeiramente, o que me motivou a escrever esse relato? Pela data em que ele foi escrito (16/07/2011), não é difícil adivinhar. A estréia, a tão esperada estréia de Harry Potter and the Deadly Hallows – Part 2. Meus ingressos (para mim e para minha namorada, claro) já previamente comprados há semanas, me dirigi ao cinema, para esperar algumas (duas) horas na fila e pegar lugares decentes. Fila em estréia já é uma atração à parte. Um monte de gente fantasiada de bruxo, um Voldemort andando de um lado pro outro, aquele clima, aquela ansiedade. Aquele cansaço nas pernas por ficar tanto tempo em pé. Uma coisa linda. Já faltando pouco menos de meia hora para nossa sessão, saem os espectadores da sessão anterior. Bandos de adolescentes saltitando com enormes sorrisos nos rostos, garotas chorando de emoção, tudo servindo pra nos deixar AINDA MAIS ansiosos. E aqui, na parte em que as portas da maravilhosa sala 6 se abrem, eu vou fazer um corte. Vamos deixar o final para depois, e voltar agora para aquele agora distante ano de 2001.

O que aconteceu em 2001? Uma porrada de coisas, com certeza. Mas, em relação a este texto, uma coisa em específico aconteceu. A estréia de Harry Potter and the Philosopher’s Stone, dirigido por Chris Columbus. Alguns já conheciam Harry Potter antes disso (o livro é de 1997). Confesso que eu não. Assisti no cinema e, como qualquer criança de oito anos com algum juízo na cabeça, fiquei fissurado. Alguém então chegou e me disse algo como “Ah, Harry Potter? Isso é baseado em um livro.” “Então EU QUERO LEEEERRR!!!” foi o que eu bradei em seguida (eu acho. Pra falar a verdade, não faço idéia, mas deve ter sido). E aí começou tudo…

Decidi ler todos os livros. É claro, naquela época só haviam sido lançados até o quarto, Harry Potter e o Cálice de Fogo. Li os quatro antes da estréia do próximo filme, Harry Potter and the Chamber of Secrets, no ano seguinte, em 2002. Então reli. E reli de novo. Nunca cansei de reler nenhum livro do Harry Potter, e acho que nunca vou cansar. No auge de minha pottermanía, assisti ao segundo filme na estréia (o único dos oito, além do último, que eu assisti na estréia). Quando vazou o primeiro capítulo do quinto livro (Harry Potter e a Ordem da Fênix) na internet, fiz questão de baixar, imprimir e carregar para todos os lados, lendo dezenas de vezes até que o livro propriamente dito viesse parar, traduzido, em nossas livrarias. Quando veio, fiz fila pra comprar.

Sempre fui um cara dos livros. Após o segundo, nenhum filme mais me agradou (até o sétimo, parte 1). Ainda assim, nunca deixei de assistir nenhum deles no cinema e no primeiro fim de semana. Eu ia, assistia, me decepcionava um pouco e voltava para casa, ainda assim extremamente empolgado. Mas os livros é que eram a atração de verdade. A propósito, fã de Harry Potter que não leu os livros, só viu os filmes, não é fã de verdade. E foda-se quem discordar.

O lançamento de Harry Potter e as Relíquias da Morte, o livro, foi um evento. Tem gente se desesperando agora que o último filme foi lançado; bem, pra mim o final veio com o último livro. O lançamento desse filme é um fim postergado. Estava tão ansioso para ler este último livro que não esperei a tradução oficial. Assim que ele vazou na internet, ainda em inglês, peguei e comecei a ler. Meu inglês não era tão bom ainda, então apanhei bastante e mal passei do início antes de ser lançada aquela infame tradução não-oficial e cheia de erros. Li ela inteira. E reli. Podem imaginar minha sensação de desespero? ACABOU, eu falava pra mim mesmo. ACABOU…

Agora, o fim postergado. Já tinha há muito perdido minhas esperanças de ver um filme de Harry Potter que fizesse jus aos livros. Não que fosse tão bom quanto, porque livros são sempre mais completos. Mas que fosse digno. Por vários motivos, que não vou explicar aqui (como o Dumbledore alucinado e as falhas enormes de roteiro), eles não conseguiam ser dignos. Isso até Harry Potter and the Deadly Hallows – Part 1. Eu tinha CERTEZA de que esse filme seria ruim. “Não trocaram o diretor”, “Não vão conseguir adaptar essa trama mais complexa…” era o que eu falava. Quando veio a notícia de que o livro seria adaptado para dois filmes, comecei a ter esperanças. Mas muito poucas. Quando vi o primeiro trailer essa esperança cresceu, mas não chegou a me dominar. Acho que eu estava com receio de ter muitas esperanças e acabar me decepcionando.

Lá fui eu assistir o filme. E minha cabeça explodiu. “O FILME É BOM!” Por quanto tempo eu esperei para poder sair da sala de cinema falando isso? Por quanto tempo esperei para sair da sala cinema com um sorriso de orelha a orelha, sentindo que o livro foi honrado? Por que esse filme foi bom? Muita coisa. Maior carga dramática. Ação mais realista. Atuações espetaculares. Roteiro bem adaptado e funcionando todo em sintonia. Mas, o principal: PORQUE ELE RESPEITOU O LIVRO. Ele respeitou os fãs. Ele respeitou a mim. Respeitou você. Não, eles não filmaram exatamente como é o livro, e eu nem queria que fizessem isso. Nunca quis. Eu só queria um pouco de respeito, e consegui. Pela primeira vez, me pareceu que os envolvidos no projeto leram de fato o livro, olharam uns pros outros e falaram “OK gente, esse pessoal lê isso a mais de dez anos, desde criança. Vamos fazer um filme para eles.” E o filme foi pra nós. Saí do cinema realizado, e, o mais importante (pra eles, que querem nosso dinheirinho), contando os dias para a parte 2.

Certo, ta na hora agora de falar da parte 2, né? Por onde eu começo? Já mencionei anteriormente que fui ver na estréia, com ingressos comprados com duas semanas de antecedência. Como é a experiência de uma estréia tão significativa? Impossível descrever. Uma emoção, uma correria, uma ansiedade. Duzentas pessoas dentro de uma sala, todas pensando a mesma coisa, todas esperando a mesma coisa, muitas delas rindo ou chorando nervosamente de expectativa. Pessoas que olhavam em volta e se viam entre fãs como elas, entre amigos desconhecidos. Uma pequena encenação de duelo de bruxos, e então o projetor é ligado e todos se sentam. Os dez ou quinze minutos de comerciais e trailers pareceram se arrastar por dez ou quinze horas. E então, após o último trailer, apagam-se as luzes e aquela música, tão familiar a nossos ouvidos, começa a tocar. E aquele logo da Warner Bros, imenso, surge na tela, se aproximando, anunciando o começo do fim.

E então, o filme é bom? É, CARALHO! MUITO! É claro, ele é melhor ainda quando se assiste na estréia, mas  por si só já é ótimo. Supera a parte 1, e talvez todos os outros juntos. Não vou comentar nada sobre o enredo do filme, mas vou falar algo sobre a experiência do filme. E foi uma experiência excepcional. As atuações estavam assombrosas, com destaque para Helena Bonham Carter (Belatriz Lestrange) e Allan Rickman (Severus Snape). Os toques de comédia pontuavam todo o filme, vários deles uns presentes especiais para os fãs. Em termos de ação, a batalha final em Hogwarts é espetacular e épica, causa uma tensão que chega superar em muito essa sequência no livro. Todos os personagens aparecem, quase como que se despedindo de nós. O Neville, por exemplo, rouba a cena a todo tempo; nunca vi um personagem evoluir tanto. Foi uma perfeita demonstração de o que seria uma invasão a uma fortaleza bruxa. Não só grandiosa, mas assustadora como toda guerra.

O drama foi algo à parte. Uma sequência em especial, que envolve Snape, mas que não entrarei em mais detalhes, trouxe lágrimas aos olhos de pelo menos uns 70% da sala. Confesso que nem eu agüentei. As mortes (que quem leu os livros sabe de quem são) foram um baque violento. A própria Hogwarts, com paredes explodidas, telhados pegando fogo e corpos espalhados em volta foi algo duro de ser visto na telona. O filme termina belíssimo, com aquela promessa de paz a quem sobreviveu para ver uma nova era.

Pra terminar, por que Harry Potter é tão importante? Porque escrever um texto tão grande sobre isso? Por que esperar horas na fila? Por que reler tantas vezes? Por que tudo isso? Eu vos digo o porquê. Porque Harry Potter surgiu para nos levar (de trem) para o maravilhoso e ilimitado mundo da leitura, do cinema e da imaginação. Como Dumbledore diz, uma das maiores formas de magia reside na palavra. Eu diria que outra é a imaginação. E Harry Potter trouxe ambas para nós. Criou toda uma geração de leitores, de imaginadores, de sonhadores. De mágicos. Se hoje eu gosto tanto de ler e de escrever, e se hoje meu sonho é me tornar um escritor, podem apostar que Harry Potter é um dos maiores motivos. Se eu algum dia conseguir realizar meu sonho de me tornar um escritor de sucesso, não apenas sucesso financeiro e fama, mas uma total realização como pessoa, direi que é porque, com oito anos de idade, resolvi encarar aquelas 263 páginas. E não me arrependi. Harry Potter me ensinou a encontrar minha coragem interior, a lidar com minhas responsabilidades. Ensinou-me a importância da amizade, do amor e da imaginação. Ensinou-me a jamais parar de ler e de sonhar. Por tudo isso, eu só agradeço. E por tudo isso, Harry Potter jamais morrerá para nós.

Finite Scriptum.    

 
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Publicado por em 17 de julho de 2011 em Filosofando

 

“Vamos nadar?”

  Vamos nadar?  

    Tão no fundo que seus pés alcançam o chão. Você olha para o alto e vê uma luz, que, ainda que trêmula e pálida, parece a coisa mais bela do mundo. O desejo pela luz que surge dentro de você é tão forte que chega a doer. Você não pode esperar nem mais um segundo.  Impulsiona-se com suas pernas, desejoso que está de alcançar aquela luz. No início sobe rápido, tranqüilo, sem perceber ainda a profundeza em que se encontra e as dificuldades que vão surgir. O início é sempre fácil.

    Mas isso passa. A luz parece nunca ficar mais próxima, e o desespero começa a encher seu coração, como a água gelada enche seus pulmões. Seus músculos parecem se rasgar, se romper, se soltar. Doem de frio. Doem de fome. Doem de cansaço. Você pára por um momento, tem dúvidas, pensa em não continuar. Olha em volta e para baixo, vê as algas se enroscarem em seus pés, te prenderem. Vê aqueles que já desistiram te puxarem para baixo, tentarem te convencer que não vale à pena.

    Você desiste e se une à eles.

    Ou:

    Você volta a nadar. Cada momento que você permaneceu parado, em dúvida, cobrou seu preço. Você está mais cansado, tem menos oxigênio, menos esperança. As braçadas lhe custam mais. Você olha para a luz no alto e não tem mais certeza que ela esteja lá. Ela treme, dança, pode sumir a qualquer momento. Uma efemeridade que a torna bela.

    Mas eis que surgem aqueles que não tentam te arrastar para as profundezas. Há aqueles que, tendo parado antes, te empurram para cima, passando suas próprias esperanças para você. Há aqueles que, estando acima de você, te puxam, te guiam pelo caminho que eles já trilharam. 

    Talvez mais importantes, há aqueles que nadam ao seu lado. Vocês se ajudam, se amparam, se ensinam.  Os amores, os amigos, os companheiros, os irmãos. Nadam todos juntos, de braços dados, ansiosos que estão de chegar a luz.

    Até que você percebe que não sente mais frio. Não sente mais fome. Não sente mais cansaço, ou falta de oxigênio. Não está mais escuro à sua volta.

    Você jamais alcançará o topo, ele não existe. A luz não está lá em cima. Ela está em cada um de nós, e brilha forte quando estamos juntos. Quando nadamos com nossos amigos, nossos amores, nossos companheiros.

    E então… Vamos nadar?


P.S.: Para quem não entendeu, Luz = Felicidade.

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Publicado por em 5 de abril de 2011 em Filosofando